Sunday, April 1, 2007

Mar-de-Leva (texto dedicado à vila de Sines)

chegaram as máquinas para talhar a cidade que vem
das águas cresce a obra do homem, ouve-se um lento grito d'espuma e suor
na memória ficaram os sinais dos bosques ceifados, as dunas desfeitas e algumas
casas abandonadas
estenderam-se tubos prateados, onde escorre o negro líquido
levantaram-se imensas chaminés, serpenteiam auto-estradas na paisagem
irreconhecível do teu rosto

onde estarão as tâmaras maduras de tuas palmeiras?
e o perfume intenso das flores debruçando-se ao sol?
que murmúrio terão as pedras do teu silêncio?

a memória é hoje uma ferida onde lateja a Pedra do Homem, hirta como
uma sombra num sonho
e as aves? frágeis quando aperta a tempestade...migraram como eu?
aonde caminhas, Doce Moura Encantada?

ouço o ciciar dos canaviais dentro do sono, adivinho teu caminhar de beijos
no rumor das águas
tuas mãos de neve recolhem conchas, estrelas secretas, luas incendiadas...
que o mar esconde na respiração das marés

estremecem-me nas mãos os insectos cortantes do medo, em meu peito
doído ergue-se esta raiva dos mares-de-leva


Al Berto

3 comments:

In Lak'ech (sou um outro tu) said...

É realmente muito triste o cinzento tecnológico numa paisagem como a da Costa Vicentina..
Sempre que lá passo sinto um aperto no peito, como que duma co-responsabilidade perante tal crime.

pazsobreamesa said...

Pois é...E o pior é que o povo de lá deita as culpas ao autarca do PCP (Dr Coelho), quando a culpa é do governo...O autarca pode protestar que não é ouvido por estes imbecis neoliberais...

Moura ao Luar said...

E não é que agora me sabia mesmo ir dar uma voltinha aí pa esses lados??